quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Nós somos a sociedade omissa e burra

É cômodo falarmos que vivemos em uma sociedade violenta, omissa, burra, machista e o escambal. Vamos mudar o sentido de "sociedade", a sociedade somos nós. Nós somos violentos, omissos, burros, machistas e o escambal. Somos nós que não estamos nem aí para a segurança pública, para a educação, para a saúde, para os outros. Tem um "Foda-se" bem grande escrito na nossa mente para tudo que não for diretamente relacionado a nossa vida pessoal, única e mesquinha.

E a gente ainda se pergunta por que as coisas vão tão mal? Mentalize um mundo onde todos só se importam com o próprio umbigo. Mentalizou? Conseguiu enxergar os prédios desabando, fogo saindo do chão e balas voando para todos os lados? Está vendo ali naquela sarjeta as crianças comendo lixo? Nem precisava de imaginação, é o nosso mundo desenhado com poucos traços.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

( x ) Parda

Identidade é coisa importante, concordam? Imagine-se sem saber responder a perguntas simples sobre você mesmo, como a cor dos olhos, o local de nascimento, a cor da pele... Mas peraí, muita gente tem problemas para definir a cor de sua pele. Eu, por exemplo, venho me incomodando com isso há certo tempo. É uma questão que deveria ser bem simples de ser respondida, mas me deixa pensativa às vezes.

Sempre usei o refúgio de uma designação intermediária para me furtar a pensar sobre o assunto. Todas as vezes que precisei preencher um questionário com a pergunta “Qual é a sua cor?” seguramente eu marquei um X em “parda”. Essa resposta sempre me serviu muito bem, afinal, eu não sou branca, e disso tenho absoluta certeza. Se eu perguntar à minha mãe, ela me responderá que é morena ou parda também. Se eu pudesse perguntar aos mortos, não sei o que meu pai responderia, mas pelo que me lembro dele, era uma mistura de negro e índio. A mesma mistura do meu lado materno, meu bisavô era filho de um negro casado com uma índia “pegada no laço” conforme conta minha avó, que é uma simpática senhora negra de cabelos lisos e grisalhos e nariz afilado. Do lado paterno eu herdei o nariz largo e os lábios mais grossos, mas não herdei o cabelo pixaim de algumas das tias. A altura deve ter vindo do meu avô paterno, este sim um branco de olhos claros. Todos os irmãos da mãe da minha mãe são meio negros e meio índios exceto uma irmã que fugiu de casa cedo. Uma salada, minha família. Conversando com meu irmão dizíamos que poderíamos os dois ser confundidos com algum indiano ou islâmico, ele pelo auxílio da barba, eu se deixasse os cabelos longos. “Somos brasileiros”, alguém diria, em tom de definir tudo por termos simples. Sim, mas somos todos iguais por ser brasileiros? Se somos todos iguais, por que quando digo que sou negra as pessoas saem em defesa (de que?) e ponderam logo que minha pele é “mais ou menos clara” e meu cabelo é “bom”? Se dizer que sou brasileira elucida tanto, qual o problema em eu adotar o X da cor negra daqui em diante? 

Por que temos de nos envergonhar do que somos ao ponto de fingirmos ser outra coisa inconscientemente? A mim é motivo de orgulho dizer que sou neta de agricultores  que nunca possuíram a própria terra, migraram procurando melhores condições, terminaram na periferia de uma grande cidade, seus filhos se tornaram operários de fábricas de montagem, cobradores de ônibus e domésticas. E desses pequenos trabalhadores urbanos nasceu a atual geração: eu, professora; meu irmão, um futuro jornalista; minha prima ainda estudante secundarista.

Eu me lembro de ter lido que nessa vida ou se é branco e rico ou se é preto e pobre. Não tem meio termo, a cor da pessoa é a cor do dinheiro que ela tem. Sob esse ponto de vista, então, a minha família foi branqueando conforme arrumava empregos melhores? Se eu fizer Medicina e deixar o emprego de professora terei me tornado uma ariana? Acho que não, a discriminação não olha classe social. Estão duvidando? Presidentes ou não, sempre vão aparecer os dedos acusatórios dizendo com todas as letras de imprensa ao Obama que ele é negro, ao Lula que é nordestino, à Dilma que ela é mulher, ao Evo Morales que ele é um índio.

Já percebi que posso passar pela vida sem definir qual a minha cor, os outros estarão sempre dispostos a me dizer... “aquela fulana ali é branca e aquele fulano ali é negro, e você, como estou em dúvida, não vou favorecer dizendo que é branca e também não vou prejudicar chamando de negra, você é parda.”

Só me incomoda o fato das pessoas se sentirem obrigadas a me consolar de algo que, na verdade, somente me orgulha.