Identidade é coisa
importante, concordam? Imagine-se sem saber responder a perguntas simples sobre
você mesmo, como a cor dos olhos, o local de nascimento, a cor da pele... Mas
peraí, muita gente tem problemas para definir a cor de sua pele. Eu, por
exemplo, venho me incomodando com isso há certo tempo. É uma questão que
deveria ser bem simples de ser respondida, mas me deixa pensativa às vezes.
Sempre usei o refúgio
de uma designação intermediária para me furtar a pensar sobre o assunto. Todas
as vezes que precisei preencher um questionário com a pergunta “Qual é a sua
cor?” seguramente eu marquei um X em “parda”. Essa resposta sempre me serviu
muito bem, afinal, eu não sou branca, e disso tenho absoluta certeza. Se eu
perguntar à minha mãe, ela me responderá que é morena ou parda também. Se eu
pudesse perguntar aos mortos, não sei o que meu pai responderia, mas pelo que me
lembro dele, era uma mistura de negro e índio. A mesma mistura do meu lado
materno, meu bisavô era filho de um negro casado com uma índia “pegada no laço”
conforme conta minha avó, que é uma simpática senhora negra de cabelos lisos e
grisalhos e nariz afilado. Do lado paterno eu herdei o nariz largo e os lábios
mais grossos, mas não herdei o cabelo pixaim de algumas das tias. A altura deve
ter vindo do meu avô paterno, este sim um branco de olhos claros. Todos os
irmãos da mãe da minha mãe são meio negros e meio índios exceto uma irmã que
fugiu de casa cedo. Uma salada, minha família. Conversando com meu irmão dizíamos
que poderíamos os dois ser confundidos com algum indiano ou islâmico, ele pelo
auxílio da barba, eu se deixasse os cabelos longos. “Somos brasileiros”, alguém
diria, em tom de definir tudo por termos simples. Sim, mas somos todos iguais
por ser brasileiros? Se somos todos iguais, por que quando digo que sou negra
as pessoas saem em defesa (de que?) e ponderam logo que minha pele é “mais ou
menos clara” e meu cabelo é “bom”? Se dizer que sou brasileira elucida tanto,
qual o problema em eu adotar o X da cor negra daqui em diante?
Por que temos de nos
envergonhar do que somos ao ponto de fingirmos ser outra coisa inconscientemente?
A mim é motivo de orgulho dizer que sou neta de agricultores que nunca possuíram a própria terra, migraram
procurando melhores condições, terminaram na periferia de uma grande cidade,
seus filhos se tornaram operários de fábricas de montagem, cobradores de ônibus
e domésticas. E desses pequenos trabalhadores urbanos nasceu a atual geração:
eu, professora; meu irmão, um futuro jornalista; minha prima ainda estudante
secundarista.
Eu me lembro de ter
lido que nessa vida ou se é branco e rico ou se é preto e pobre. Não tem meio
termo, a cor da pessoa é a cor do dinheiro que ela tem. Sob esse ponto de
vista, então, a minha família foi branqueando conforme arrumava empregos
melhores? Se eu fizer Medicina e deixar o emprego de professora terei me
tornado uma ariana? Acho que não, a discriminação não olha classe social. Estão
duvidando? Presidentes ou não, sempre vão aparecer os dedos acusatórios dizendo
com todas as letras de imprensa ao Obama que ele é negro, ao Lula que é
nordestino, à Dilma que ela é mulher, ao Evo Morales que ele é um índio.
Já percebi que posso
passar pela vida sem definir qual a minha cor, os outros estarão sempre
dispostos a me dizer... “aquela fulana ali é
branca e aquele fulano ali é negro, e você, como estou em dúvida, não vou
favorecer dizendo que é branca e também não vou prejudicar chamando de negra,
você é parda.”
Só me incomoda o fato
das pessoas se sentirem obrigadas a me consolar de algo que, na verdade,
somente me orgulha.